Guilherme II e membros da Marinha Imperial. |
Uma das figuras mais importantes da História alemã, o Kaiser Wilhelm II (Guilherme II) foi um expoente do militarismo germânico. Seu governo marca um importante período de transição na administração alemã. Wilhelm foi o último imperador alemão e rei da Prússia.
Origens
Nascido em 27 de Janeiro de 1859 em Berlim, filho do príncipe Frederico Guilherme da Prússia e da princesa Vitória do Reino Unido, foi o primeiro neto da rainha Vitória e seu esposo, Alberto. Como foi o primeiro filho de Frederico, era o segundo na linha de sucessão imperial tanto da Alemanha quanto da Prússia. Wilhelm era parente de grande parte da nobreza europeia de sua época. Por exemplo, era primo do czar da Rússia Nicolau II e do rei Jorge V do Reino Unido. Mas sua relação familiar com estes nobres não parece ter sido das melhores.
Guilherme II, ainda jovem, em 1874. |
Infância e juventude
Guilherme teve um parto difícil, e um defeito físico sempre lhe foi presente: o braço esquerdo era 15 centímetros menor que o braço direito. Ao que parece, a sequela definiu certos traços psicológicos de Wilhelm. Já aos seis anos, Guilherme foi influenciado para a vida militar, principalmente por seu professor Georg Hinzpeter. Foi educado em Kassel, e depois cursou a Universidade de Bonn. Se a inteligência se fez presente desde cedo na vida do monarca, o gênio indomável também marcou seu lugar ainda em sua juventude. Guilherme era conhecido por seu temperamento difícil e sua indisciplina. Herdeiro dos Hohenzollern, viveu desde cedo no ambiente da nobreza aristocrática. A cultura prussiana, extremamente militarista, definiu o caráter de liderança do pequeno príncipe. Admirava principalmente o pai, figura importante da unificação alemã, e o avô, Guilherme I. Wilhelm tinha uma grave antipatia pelos britânicos. Otto von Bismarck exerceu certo fascínio em sua personalidade e acabou por projetar o jovem monarca contra os próprios pais, e, diante da morte do pai, Wilhelm passou a culpar o médico inglês que dele tratou, bem como desconsiderar sua mãe, igualmente inglesa.
Titio Otto
Já em sua juventude, Wilhelm teve grande contato com Otto von Bismarck, o "pai" político da Alemanha, construindo grande admiração pelo velho comandante. Entretanto, essa admiração não parece ter sido recíproca, já que Bismarck desconsiderava as ações de Wilhelm e desejava mantê-lo "estacionado" enquanto prolongava o próprio poder. Isso acabou por criar uma inimizade entre ambos. Agora, o chanceler da Alemanha e o herdeiro ao trono não podiam mais se considerar como aliados políticos. É correto dizer que Wilhelm exerceu uma ação de opositor do governo de Otto durante esse período.
Jogo de Xadrez
Durante a década de 1880, Bismarck ampliou sua influência no Reichstag alemão. O Kartell, a coligação entre o Partido Conservador e o Partido Nacional Liberal, garantia a aprovação dos projetos de Bismarck no parlamento. As medidas anti-socialistas de Bismarck provocaram a reação de Guilherme, interessado nas questões sociais da Alemanha e da Prússia. Wilhelm desejava uma política mais abrangente em relação aos trabalhadores, especialmente os do ramo da mineração, algo que Bismarck, fanático anti-socialista, evitava. o Reichstag tornou-se um palco de luta entre os dois gigantes. Bismarck desejava causar uma precipitação dos socialistas, assim, conseguindo um pretexto para eliminá-los, mas Wilhelm afirmou que não iria iniciar seu reinado com um banho de sangue. Segundo ele, seu governo deveria ser para toda a multidão, e isso incluía os socialistas. Bismarck tentou isolar Wilhelm politicamente, mas isso não foi possível. O Kartell se desmanchou e o kaiser ampliou sua influência no Reichstag. É fato que Bismarck regulamentou os primeiros direitos dos trabalhadores alemães, mas, ao decidir não progredir nos avanços sociais trabalhistas por simples anti-socialismo, abriu caminho para sua oposição. Bismarck tornara-se um dinossauro político e seria questão de tempo até que seu maior opositor. Wilhelm, o superasse.
Guilherme II acompanhado de Fernando I da Bulgária, o rei Manuel II de Portugal, o rei Jorge I da Grécia, o rei Alberto I da Bélgica, o rei Afonso XIII de Espanha, o rei Jorge V e o rei Frederico VIII da Dinamarca. |
Supremacia
Em 1890, Bismarck se demite. Leo von Caprivi o substitui como chanceler. Depois, este foi substituído por Chlodwig em 1894. Em 1900, finalmente Guilherme coloca um homem seu para preencher o cargo: Bernhard von Bülow. Bismarck havia criado uma estabilidade entre Alemanha, França, Inglaterra e Rússia, e manter isso seria o principal desafio de Wilhelm. Ele mesmo ampliou sua atuação no governo alemão, antes, muito dividida com o chanceler. Agora, o imperador exercia mais influência direta. Nunca mais um chanceler exerceria tanta influência num governo como Otto havia exercido. Agora, o kaiser era a principal figura política.
Montado em seu cavalo, o imperador, em Potsdam. |
Marinha
Wilhelm concentrou esforços em criar uma marinha alemã capaz de rivalizar com a marinha britânica. Assim, desejava tornar do império alemão uma potência mundial, e não apenas continental. A leitura do tratado "A influência do Poder Marítimo na História", do almirante Alfred Thayer, tornou-se obrigatória para todos os líderes militares. As ambições marítimas e imperialistas de Guilherme logo criaram um estado de alerta nas outras potências da Europa. Os britânicos começaram a enxergar as pretensões marítimas dele como um perigo à quase que hegemonia da Coroa nos mares.
Kaiser Guilherme e seus principais generais. |
Ciências e Arte
Guilherme foi um forte patrocinador das Ciências e das mais diversas áreas da Arte. Expandiu um modelo de educação pública e um sistema de seguridade social. Chegou a criar a SociedadeKaiser Guilherme, financiada com dinheiro do Estado e investidores privados, cujo objetivo era realizar pesquisas científicas pioneiras em diversos setores. Incentivou uma reformulação do sistema educacional prussiano, que, na época, era extremamente engessado. Queria dar-lhe um caráter mais progressista. Se por um lado os investimentos de Guilherme produziram um avanço nas Artes e nas Ciências de sua nação, por outro lado criaram um cenário de muito pouca autonomia para os centros educacionais, que foram muito influenciados pelo kaiser.
Espírito e genialidade
O kaiser Guilherme era de um espírito agressivo e tempestuoso. Era notoriamente anti semita, demonstrando desprezo pela influência judaica na sociedade alemã, que, segundo ele, era exageradamente abusiva. Nesse sentido, a política de Guilherme foi muito prejudicada: se ele via os judeus como seus inimigos, muitos judeus tinham apreço pela figura do imperador, que perdera um importante apoio que lhe poderia ter sido muito útil. O sentimento anti-judaico de Guilherme permitiu a atmosfera que criaria a figura de Hitler. Guilherme criou uma inimizade com os setores da Esquerda, que considerava (e de fato eram) opositores seus. Criticou a política de Bismarck, mas acabou seguindo muito dessa mesma forma de governar.
Geopolítica
Guilherme levou em frente uma política estrangeira agressiva e levada adiante mais por seus impulsos do que por sua ponderação. Entretanto, seus atos não podem ser considerados como unicamente seus: como todo governante, havia um grupo que lhe influenciava as ações. Basicamente, onde houvesse uma ação anti britânica, Guilherme estaria ali para apoiar, e isso acabou por deteriorar as já frágeis relações germano-britânicas. Foi particularmente contrário à influência europeia na China, mas não por bondade, e sim por desejar limitar o imperialismo das potências rivais. As colônias alemãs na África receberam maior atenção. Todas elas, entretanto, seriam perdidas após a Primeira Guerra, o que fez disso um investimento sem retornos, pois poucas delas proporcionaram lucro suficiente que justificasse os investimentos. Nos assuntos internos, conseguiu um importante trunfo ao casar sua filha Vitória Luísa com o duque de Brunsvique, em 1913, resolvendo uma antiga inimizade entre os Hohenzollern (família real de onde Guilherme viera) e o Reino de Hanôver, que havia sido anexado pelos prussianos em 1866. Isso trouxe uma estabilidade interna que não existia nas políticas internacionais feitas pelo kaiser.
Kaiser em revista às tropas imperiais. |
Boxers
Entretanto, sua ação mais desastrosa foi a participação alemã na Guerra dos Boxers, uma revolta popular chinesa contra os estrangeiros no país. Participando da coligação entre Grã-Bretanha, Estados Unidos, França, Rússia e Japão, Guilherme enviou suas tropas imperiais para intervir na China. Entretanto, quando chegaram ao país oriental, Pequim já havia sido conquistada e a batalha estava praticamente concluída. Os discursos proferidos por Guilherme, enaltecendo o exército alemão e comparando-os aos hunos, cuja impiedade deveria ser sempre presente, incitaram a inimizade tanto dos chineses quanto dos demais países da coligação.
Problemas com a frança
Quando Guilherme visitou o Marrocos, em 1905, fez declarações favoráveis à independência do país. Ora, Marrocos era uma célebre colônia francesa, e tais declarações acabaram por deteriorar as relações entre as duas nações. Desse desconforto surgiu a Conferência de Algeciras, artifício que acabou isolando a Alemanha de modo ainda mais grave dentro do continente europeu.
Má publicidade
A imprensa exerce papel fundamental nos governos do mundo, e isso não é de hoje. Quando Guilherme deu uma entrevista ao Daily Telegraph, em 1908, suas afirmações contundentes acabaram prejudicando ainda mais a opinião internacional sobre a Alemanha. Dentro do próprio país, grande parte do povo pedia a renúncia de Guilherme, o que não aconteceu. Seu chanceler, Bülow, foi sumariamente demitido do cargo, já que não interveio em benefício do kaiser nem editou a entrevista para a devida publicação na Alemanha. Os britânicos usariam bem esta imagem como propaganda de guerra anti-alemã, onde o kaiser aparecia sempre como um monstro.
Guilherme II |
Homens ao mar
Com a nomeação do oficial Alfred von Tirpitz, os planos de expansão marítima de Guilherme começavam a tomar forma. O objetivo era aumentar a presença alemã na África do Sul e forçar a Inglaterra no cenário internacional de modo a favorecer os alemães, concentrando grandes grotas no Mar do Norte, rivalizando, assim, com o poderio naval britânico. Entre 1897 e 1900, Tirpitz teve todo o apoio do kaiser. Entretanto, os esforços militares para a Marinha acabaram sacrificando outros setores da economia alemã. Guilherme criou o Marine-Kabinett em 1889, sendo Gustav von Senden-Bibran nomeado seu primeiro chefe. Um canal em Kiel foi feito em 1895, permitindo manobras mais rápidas entre o Mar do Norte e o Báltico. A frota alemã foi consideravelmente ampliada, mas não chegou a rivalizar com a britânica.
Com as mãos nos olhos, o imperador Guilherme II, inspecionando as tropas, durante a Primeira Guerra Mundial. |
Primeira Grande Guerra
Guilherme não veria apenas a derrota da guerra, mas assistiria também à perda do próprio poder. Durante a Primeira Guerra, a participação de Guilherme foi muito reduzida, e a Alemanha tornou-se, de fato, uma ditadura militarista chefiada por Erich Ludendorff. Guilherme já não era mais capaz de conduzir a guerra e as questões externas e internas. Se, em época de relativa tranquilidade internacional, as decisões do kaiser mostravam-se muito exageradas, a pressão de um conflito de proporções jamais vistas acabou por prejudicar ainda mais o senso do imperador. Guilherme, primeiro, foi forçado a aceitar Michaelis como chanceler, pressionado por Erich. Em novembro de 1918 a popularidade do kaiser havia despencado, e o presidente norte-americano, já no fim da guerra, declarou que ele não poderia participar das negociações de paz. Guilherme também contrariou a mortífera gripe espanhola, mas resistiu à doença. A Primeira Guerra havia selado seu caminho de saída do trono.
Guilherme e sua esposa, a imperatriz Hermine. |
O último kaiser
Quando estava na Bélgica, o kaiser foi surpreendido por revoltas em Berlim e outros centros do império, no fim do ano de 1918. Com a Revolução Alemã, o kaiser ficou indeciso entre abdicar do trono ou permanecer no poder, pois tinha as esperanças de ao menos conservar o trono da Prússia. Quando ficou claro que ele não teria apoio do exército, Guilherme abdicou, aconselhado por Hindenburg. Ironicamente, Hindenburg era um monarquista fervoroso. Guilherme foi então levado para o exílio nos Países Baixos, uma nação neutra. No Tratado de Versalhes foi exposto o desdém internacional pelo antigo kaiser: o artigo 227 condenava Guilherme por "ofender a moral internacional e a santidade dos tratados entre os povos". De fato, os vencedores queriam a cabeça de Guilherme, mas ele não foi extraditado. Guilherme morou então em Amerongen, e no dia 28 de Novembro de 1918 publicou sua abdicação oficial ao trono da Alemanha e da Prússia. Depois, mudou-se para Doorn, em 1920. Ali, ele passaria o restante de sua vida. Com a criação da República de Weimar, Guilherme teve permissão para retomar a maior parte de seus bens deixados na Alemanha.
O kaiser e seu bisneto |
Exílio
Guilherme publicou sua autobiografia em 1922, justificando a maior parte de seus atos e dizendo-se inocente quanto a explosão da Primeira Grande Guerra. Acabou despertando um interesse por arqueologia, chegando a passar um tempo na Grécia. Essa seria sua motivação durante seus últimos anos. Outras coisas que distraíam o abandonado imperador eram a caça e os projetos para grandes navegações e edifícios. Seu aspecto imaginativo e visionário nunca foi perdido. Com a subida do Partido Nazista em 1930, Guilherme tinha a esperança de ver o restabelecimento da monarquia, mas obviamente isso não aconteceu. Hitler nutriu total desdém pelo antigo kaiser que, segundo ele, havia sido o responsável pela humilhação alemã na Primeira Guerra. Assim, Guilherme acabou nutrindo desgosto pelo nazismo. Quando Hitler obteve os primeiros e rápidos sucessos da Segunda Guerra, Guilherme se animou, e enviou um telegrama ao "führer", dizendo: "parabéns, venceste usando as minhas tropas". Morreu em Doorn, vítima de embolia pulmonar, em 3 de Junho de 1941, com oitenta e cinco anos. Hitler desejava enterrá-lo em Berlim, pois, apesar da inimizade entre os dois, não deixava de reconhecer o último kaiser como uma figura icônica da Alemanha. Entretanto, os desejos de Guilherme foram respeitados, pois ele não desejava ser enterrado em solo alemão enquanto a monarquia não fosse restaurada.
Wilhelm II e seus dois netos. |
Injustiça seja feita
Wilhelm (Guilherme II) foi uma figura contraditória da política mundial. Ícone da Alemanha, viveu o momento de celebração por seu povo, que o via como um reformador social, e também experimentou o desdém do mesmo povo que o havia acolhido. Hábil militar, porém péssimo diplomata e negociador, Guilherme pode muito bem ter sido, em grande parte, vítima das maquinações de seus opositores e de conselheiros não muito afeitos a ele. Entretanto, suas próprias ações acabaram o prejudicando, colocando-o em situação de isolamento político junto com a Alemanha. Guilherme não foi um sucesso, e muito menos um fracasso: ampliou o poder alemão além-mar, aumentou os efetivos militares, aprimorou a cultura nacional e investiu nas Artes, na educação e nas Ciências. Se a maior parte de suas ações internacionais foram desastrosas, é fato que ele conseguiu rivalizar com a maior potência da época, o Império Britânico. A Alemanha deveu muito ao seu último imperador e teve o caminho para seu desenvolvimento industrial muito aprimorado por Guilherme.
Fotos: KraljAleksandar
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