Soldados negros alistados no Exército da União. |
A Guerra Civil dos Estados Unidos da América dividiu o país
em dois lados rivais: o Norte, que formou a União, e os estados do Sul, os
Confederados. Um dos motivos publicamente conhecidos como as causas mais fortes
para o conflito foi a questão da emancipação dos escravos e a abolição da do
regime escravocrata nos EUA. Entretanto, a participação dos negros (elementos
centrais do conflito) ficou relegada ao segundo plano, e por diversas vezes
suas ações são simplesmente omitidas.
Guerra de irmãos
Os EUA construíram grande parte de sua riqueza através do
empreendedorismo, presente no espírito dos pioneiros puritanos. Entretanto, nem
só de mãos livres vieram os frutos do esforço norte-americano. O mercado de escravos
foi parte importante da economia norte-americana e os negros trabalhavam em
diversas tarefas no país, em números expressivos. O movimento abolicionista
ganhava força em toda a Europa e não tardou a ganhar fôlego no Novo Mundo. Com
a subida de Abraham Lincoln, a escravidão estava com os dias contados nos EUA.
Os soldados afro-americanos exerceram um papel fundamental na Guerra Civil norte-americana. |
Norte versus Sul
Os estados do Norte, mais industrializados, aderiram em
maior número à causa abolicionista. Os estados do Sul, ainda majoritariamente
agrícolas, eram mais dependentes da mão de obra escrava e não estavam dispostos
a ceder à emancipação imediata dos negros. Esta é uma questão muito polêmica:
os confederados não eram absolutamente contra a abolição, mas tão somente
desejavam uma mudança gradativa de condição, enquanto os membros da União eram imediatistas.
A guerra foi também um meio de estabelecer a supremacia dos estados do Norte
como fomentadores da industrialização no Sul, colocando-os em situação de
clientela. Assim, as motivações foram mais econômicas do que sociais.
Soldado negro da União e sua família, em foto recuperada. |
Os negros na guerra
Os dados históricos oficiais dos EUA mostram que 186.097
negros estiveram envolvidos na guerra. Destes, 7.122 atuaram como oficiais.
Formaram 163 unidades dentro do Exército da União. Estes regimentos ficaram
posteriormente conhecidos sob a alcunha de Tropas Negras dos Estados Unidos
(United States Colored Troops). Cerca de 10% de todos os soldados da União eram
negros, tanto libertos quanto escravos fugitivos.
Estigma e segregação
A convocação de negros para a guerra foi um grande impasse,
mesmo para a União. A maioria dos oficiais não era favorável à entrada de
afro-americanos nas Forças Armadas, e mesmo Abraham Lincoln foi inicialmente
contrário a esta medida. Em 17 de Julho de 1862, o Congresso aprovou dois Atos
permitindo o alistamento de afro-americanos, mas o recrutamento oficial deles
só aconteceu a partir de Janeiro de 1863, com a Proclamação da Emancipação.
Milícias já recrutavam negros desde 1862, como por exemplo os negros da Black
Brigade of Cincinnati. Cerca de 20% de todos os afro-americanos envolvidos na
Guerra Civil perderam suas vidas, uma taxa bem maior que a de soldados brancos
(8.6%)
O salário dos soldados negros era em média seis vezes inferior ao dos soldados brancos |
Mãos à obra
Os afro-americanos desempenharam diversas atividades durante
a Guerra Civil. Trabalhavam para fornecer alimentos e demais suprimentos,
cavavam trincheiras, construíam ferrovias, enterravam mortos, ajudavam nas
edificações, cuidado com cavalos, manutenção de armamentos e também atuaram
grandemente no front.
Sem dinheiro
A aceitação de afro-americanos nas tropas da União não significou
tratamento igualitário entre todos os soldados. De acordo com os próprios
termos do Militia Act de 1862, os soldados afro-americanos recebiam mensalmente
o salário de U$10,00 com a dedução opcional de U$3,00 para gastos com
uniformes; enquanto que os soldados brancos recebiam um salário mensal de
U$60,00 e mais um adicional de U$3,50 para gastos com uniformes. Isso significa
que um soldado branco recebia o equivalente a seis soldados negros. Em 15 de
Junho de 1864, o Congresso Federal estabeleceu o pagamento igual entre todos os
soldados.
O "Shaw Memorial", construído em homenagem aos combatentes negros, localizado em Boston. |
Heroísmo e bravura
A maior parte dos soldados e oficiais brancos reputou aos
negros falta de bravura e não confiavam em sua capacidade. Mas eles
contrariaram as expectativas: em 1862, soldados negros do 1st Kansas Colored
Volunteers repeliram um ataque de guerrilhas confederadas na batalha de Island
Mound, no Missouri. A Batalha de Port Hudson, em Lousiana, provou o valor dos
combatentes negros que, em 27 de Maio de 1863, onde, mesmo com a derrota da
investida dos afro-americanos, assinalou a coragem e bravura destes guerreiros.
O próprio general Nathaniel P. Banks
disse sobre os combatentes negros: “Qualquer
que tenha sido a dúvida existente sobre a eficiência das organizações deste
caráter, a história agora prova que estes tipos de tropas são formadas por efetivos
apoiadores e defensores”.
Cartaz de alistamento da União, convocando os negros. Em destaque, no início, os dizeres: "Aos homens negros! Liberdade, pagamento, e um chamado ao dever militar!". |
Ainda além
A batalha mais famosa na qual afro-americanos se envolveram
durante a Guerra Civil foi a do Forte Wagner, na costa de Charleston, na
Carolina do Sul. Membros do 54º Regimento de Infantaria de Massachussetts atacaram a posição altamente
defendida dos confederados. O ataque foi essencial para a posterior tomada do
forte. Os soldados negros participaram de todas as grandes campanhas do
conflito, com exceção da Campanha da Geórgia
e a Marcha para o Mar, rumo à Savannah. Em 1864, no dia 12 de Abril, o
general confederado Nathan Bedford Forrest liderou um ataque ao Forte Pillow,
no Tennessee, que estava guardado por 292 negros e 285 brancos (577 homens no
total), liderando um total de 2.500 soldados. A resistência destes poucos
homens contra uma força quase cinco vezes superior foi heroica. A Batalha da
Fazenda de Chaffin foi também um importante marco dos soldados negros, e vinte
e cinco afro-americanos foram recompensados com a Medalha Congressional de
Honra.
Cartaz confederado de convocação para negros. Em destaque, o anúncio "venham e juntem-se a nós, irmãos". |
Negros confederados
Negros confederados. Os confederados apenas oficializaram a incorporação de negros nos momentos finais do conflito. |
Cerca de 40% da população dos Confederados era composta por
escravos. Entretanto, o recrutamento de negros nas tropas confederadas parece
ter sido muito limitado. Somente nos momentos finais do conflito os líderes da
Confederação recrutaram oficialmente soldados negros. O general Patrick
Celeburne foi um dos primeiros oficiais a defender o alistamento de negros nas
tropas confederadas. O famoso general confederado Robert E. Lee defendeu a
ideia de alistar e armar soldados negros oferecendo-lhes a liberdade, e em 13
de Março de 1865 o alistamento de afro-americanos foi oficialmente permitido pelo
Congresso dos Confederados. A quantidade de negros nas tropas dos estados do
Sul foi significativamente menor do que nos estados do Norte. É um erro admitir
que todos os confederados fossem contra a emancipação dos negros. Em alguns
casos, eles recebiam um tratamento até melhor do que os soldados do Norte, e
muitos conquistaram a emancipação através do serviço militar. Depois da guerra,
o estado do Tennessee garantiu pensões a 300 soldados afro-americanos que
serviram à Confederação.
Mesmo os soldados da União enfrentaram grande discriminação e a maioria foi esquecida pelo governo após a guerra. |
Esforços e lutas
É impossível imaginar o que teria sido a Guerra Civil sem a participação dos negros. Estes homens e mulheres atuaram na linha de frente, exerceram atividades de inteligência e sabotagem e participaram efetivamente onde quer que tenham servido, seja pelo Norte ou pelo Sul, e foram protagonistas de sua luta por uma maior independência. Uma maior menção aos afro-americanos deve ser feita quando se fala não só em relação a este episódio, mas a toda a História norte-americana.
A conquista da Liberdade
A Guerra Civil dos EUA foi, provavelmente, o episódio mais violento
pela emancipação dos negros em toda a América. A economia dos EUA sofreu
drasticamente, os estados do Sul foram arrasados e as tensões políticas
aumentaram. É errado tratar o conflito como uma simples questão de “abolicionistas”
contra “escravagistas”, pois diversas questões políticas e financeiras foram
mais determinantes do que essa questão que, certamente, interessava mais aos
negros do que a qualquer oficial ou congressista. Mesmo nos estados do Norte, e
após a emancipação dos negros, muitos deles foram simplesmente esquecidos pelo
governo e continuaram excluídos da vida social. A extinção do sistema
escravocrata não significou o fim do racismo e do preconceito: os negros assistiram,
muito tempo depois, a política de segregação norte-americana, e os descendentes
dos bravos guerreiros afro-americanos que lutaram para a construção do país
seriam impedidos até mesmo de frequentar os mesmos ônibus que os brancos. Ainda
hoje existem muitas tensões entre as populações brancas e negras nos EUA. A
luta pela emancipação ainda existe e parece mais intensa do que o foi na Guerra
Civil.
Veteranos afro-americanos da Guerra Civil. |
O filme "TEMPOS DE GLÓRIA" retrata muito bem essa história, recomendo para quem não assistiu.
ResponderExcluirentão me ensinaram errado nas escolas: que o norte era a favor da liberdade dos negros e que os sulistas os queriam sempre escravos - ledo engano. Interesses em cima de falsos e interesses por esse motivo que os EUA omitem tudo sobre o verdadeiro valor dos negros na formação de sua nação. Daí tantas lutas se vêem até hoje.
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