Cão que ladra morde!
Soldado norte-americano com seu cão. |
O uso de animais em combate remonta às épocas mais distantes da História humana. Desde que o homem domesticou os cavalos e os cães, animais têm feito parte dos mais diversos conflitos de toda a nossa jornada como espécie. Mesmo nos tempos atuais, os animais continuam desempenhando diversas funções extremamente interessantes, e nem mesmo as mais avançadas máquinas e armamentos conseguiram tomar o lugar destas criaturas tão admiráveis. Os animais fizeram parte dos mais primorosos avanços militares de nossa trajetória belicista. O uso dos cavalos praticamente definia quem sairia como vencedor ou como derrotado em uma batalha. Cães foram domesticados pela humanidade desde os períodos de nomadismo, e têm nos auxiliado com atividades de pastoreio, proteção individual, recreação e também utilidades militares. Os cães são o tema deste nosso artigo, e veremos especificamente o modo como foram utilizados na Segunda Guerra Mundial. Os cães desempenharam inúmeros papéis durante o primeiro conflito mundial e essa utilização não deixou de se mostrar eficiente durante o segundo conflito global.
O melhor amigo do homem
O uso de cães foi largamente expandido durante a Segunda Guerra Mundial. Em geral, eram empregados em ações às quais era preferível não expor a vida dos soldados. Entre as diversas atividades exercidas pelo melhor amigo do homem, estavam funções como entrega de correspondências, transporte de suprimentos entre uma linha e outra, identificação de explosivos e minas, e até mesmo missões suicidas, como os cães utilizados pelos russos para detonar tanques de guerra. O uso dos cães, entretanto, não foi limitado apenas a estas ações de campo e fins agressivos. Os cães passaram a ser utilizados também para recuperação de soldados que sofriam traumas de guerra, bem como auxiliadores em processos de fisioterapia na recuperação de combatentes que eventualmente perderam membros ou a mobilidade de partes do corpo por conta dos combates. Os cães eram, acima de tudo, mascotes e companheiros que garantiam distração e momentos de alegria aos soldados em meio aos horrores típicos da guerra.
O projeto "War Dog"
O governo norte-americano iniciou um programa intitulado "Quartermaster War Dog Program" (Programa Contramestre Cães de Guerra) durante o segundo conflito mundial, não muito após o famoso ataque de Pearl Harbor, que lançou os EUA em um envolvimento direto no conflito. Iniciado em 13 de Março de 1942, o projeto iniciou tendo como nome a designação "K-9 Corps" (Corpos Caninos). Uma das principais metas do programa era obter uma quantia considerável de cães e adestrá-los para fins militares. Grupos e organizações civis surgiram nessa época com essa finalidade, como o American Kennel Club (Clube Americano de Canil) e o Dogs for Defense (Cães para Defesa), com o objetivo de mobilizar a sociedade civil norte-americana nas doações de cães para o projeto War Dog. Cerca de 30 raças de cães eram aceitas pelo programa, sendo que a maioria dos animais utilizados pelos norte-americanos eram pastores alemães, dobermann, pinscher, collies e schnauzer gigantes. Entre 1942 e 1945, cerca de 19.000 cães foram inscritos no projeto, sendo que cerca de 45% destes cães foram recusados e considerados impróprios para o treinamento. O projeto War Dog inicialmente designou cães para proteger usinas de energia, porém, em fins de 1942, o programa foi estendido e passou a oferecer cães para a Marinha e a Guarda Costeira. Os adestradores que participavam do programa eram civis voluntários, com experiência prévia em atividades de adestramento. Os cães do programa War Dog eram utilizados em atividades diversas, como sentinelas em bases, acampamentos e depósitos de armas, especialmente à noite, com visibilidade reduzida, e também acompanhando soldados em suas rondas diárias, servindo como alertas a inimigos escondidos; também como cães de escolta ou patrulha, treinados para atuar silenciosamente e farejar atiradores de elite e inimigos camuflados; cães mensageiros eram treinados para acompanhar dois soldados e levar mensagens entre linhas distintas; também usados como rastreadores de minas, treinados para farejar minas, armadilhas explosivas, bombas e instrumentos metálicos e não metálicos de difícil percepção (cerca de 140 cães foram empregados nessas atividades). Durante todo o conflito, cerca de 10.425 cães foram treinados, sendo 9300 deles utilizados como cães sentinelas. Cães de escolta eram capazes de detectar a presença de inimigos em um raio de mil metros, e foram utilizados especialmente nas batalhas do Pacífico. Cerca de 436 cães foram utilizados para escolta. Após o fim da Segunda Guerra Mundial, grande parte dos cães sobreviventes foi reabilitada para a companhia de seus donos, outra parte foi empregada para o serviço policial, e um outro número destes animais continuou à serviço das forças armadas dos EUA. Outros foram usados em programas de reabilitação e fisioterapia.
Paradogs
O 13th Parachute Battalion of the British Army (13º Batalhão de Paraquedistas do Exército Britânico) iniciou um projeto próprio para a utilização de cães em atividades de paraquedismo. Estes cães paraquedistas eram apelidados de Paradogs (cães paraquedistas). O projeto tinha como objetivo a utilização de cães para a operação do Dia D (desembarque dos aliados na Normandia), tanto para localização de minas quanto para a detecção de inimigos. A maioria dos cães utilizados no projeto eram animais abandonados.
Ken Bailey (à esquerda), responsável pelo projeto Paradogs. |
O projeto foi iniciado por Ken Bailey, um oficial da Royal Air Force (Força Aérea Real), que possuía um histórico profissional como veterinário. Foram fundadas então a War Dog Training School (Escola de Treinamento de Cães de Guerra) em Hertfordshire, com o objetivo de treinar os cães para o serviço militar. Campanhas foram realizadas, convocando a população a doar seus cães para o projeto. Entretanto, nas missões de paraquedismo na Normandia, o desembarque dos cães não ocorreu como esperado, o que lamentavelmente causou a descontinuidade do projeto de cães paraquedistas. Vários cães receberam honrarias e condecorações por seus excelentes serviços prestados. Grande parte dos cães sobreviventes foi adotada depois da guerra, outros continuaram no serviço militar (servindo inclusive como mascotes), muitos também foram utilizados em retiros de veteranos e outros foram colocados em programas de reabilitação de soldados com ferimentos e traumas de guerra.
Cães-bomba
Soldados soviéticos acompanhados de cães treinados para a guerra, em um desfile em Moscou. Grande parte destes cães foi utilizada como bombas antitanques. |
Desenho técnico mostra a instalação de bombas em cães. |
Durante a Segunda Guerra Mundial, os soviéticos deram uma utilização bizarra para estes animais, transformando-os em explosivos vivos. Estes cães foram chamados de protivotankovye sobaki (cães mina) Desde 1930, um projeto foi inaugurado para estudar a utilização de cães em missões de explosão. Doze escolas de treinamento foram inauguradas para o treinamento destes cães. Inicialmente, os cães eram treinados para soltarem as coleiras próximas aos alvos, e, depois, correrem de volta para seus donos. Mas isso se mostrou ineficiente em campo de batalha, e geralmente os cães não conseguiam soltar suas bombas e retornavam aos donos. Então os soviéticos reorganizaram o método simplesmente adotando um novo treinamento, que consistia em deixar os animais com fome, e acostumá-los a obter comida colocada em tanques de guerra. Levados ao campo de batalha e ávidos por comida, estes cães perseguiam tanques de guerra inimigos e, ao se aproximarem, eram detonados remotamente pelos soldados soviéticos, imobilizando os tanques. Infelizmente, os animais não saíam vivos dessas missões. Com o aprimoramento de novas armas e métodos antitanque, estes cães bomba foram menos utilizados a partir de 1942. Porém, o projeto continuou funcionando até 1996. Um projeto análogo foi desenvolvido pelos EUA no mesmo período, mas os cães norte-americanos nunca desempenharam efetivamente esta função. Entre as principais ações desempenhadas pelos cães explosivos, podemos citar a batalha desempenhada pela 160ª Divisão de Infantaria soviética próximo a Hlukhiv, onde seis cães destruíram seis tanques alemães; próximo ao aeroporto de Stalingrado, 13 tanques alemães foram destruídos; na Batalha de Kursk (a maior batalha de tanques da História), 12 tanques alemães foram retirados de combate, próximos à cidade de Tamarovka. Os soviéticos passaram a utilizar mais seus cães em missões de detecção de minas, socorro aos feridos e transporte de informações.
Veteranos de guerra
O veterano da Segunda Guerra Mundial Roy Phillips, com o cão Echo, em reabilitação. |
O trabalho dos cães não terminou com o fim da Segunda Guerra Mundial. Muitos deles foram realocados como mascotes de unidades militares; outros, encaminhados para asilos de veteranos de guerra, programas de reabilitação e grande parte acabou sendo adotada, levando uma vida tranquila do pós-guerra. Infelizmente, muitos destes guerreiros de quatro patas morreram em combate. Em muitos lugares, monumentos e memoriais foram construídos em homenagem a este fiel companheiro de batalhas. Diversos cães receberam homenagens, honrarias e condecorações de guerra em reconhecimento aos serviços prestados. A guerra atinge não apenas os seres humanos, mas também os animais que, a despeito de seu grande serviço e lealdade, muitas vezes são esquecidos nas páginas da História. Muitos veteranos de guerra, homens que sofreram traumas físicos e psicológicos, são atendidos por cães que auxiliam em sua reabilitação. O cão se mostra fiel ao homem em épocas de paz, e também de guerra.
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