A arte nipônica
Não existe uma data precisa para o início da atividade das gueixas. Elas remontam ao período do Japão medieval, com registros bem antigos em poesias, textos, histórias e peças teatrais. Entretanto, fica nítido que elas possuíam funções específicas dentro da sociedade nipônica. A principal destas funções era o exercício de atividades sexuais, o que nos faz considerarmos estas mulheres como prostitutas. Entretanto, essa atividade não era tão imediata e direta quanto no Ocidente. A gueixa era, desde a infância, treinada e doutrinada em uma série de habilidades e composições. E, durante o exercício de sua profissão, a gueixa deveria atrair seus clientes através de capacidades não diretamente relacionadas ao sexo em si. De fato, não eram apenas simples prostitutas, mas sim mulheres com inúmeras habilidades cuja oferta sexual era um modo de sobrevivência que, aliás, se limitava a um número muito restrito dentre os vários clientes que elas conheciam.
Educação e doutrinamento
A mulher que se tornava gueixa não o fazia da noite para o dia. Assim como estudamos para exercer a engenharia, a medicina, a licenciatura e todas as demais profissões, "trabalhar" como gueixa exigia toda uma preparação que se iniciava desde a infância. Aos seis anos de idade, as meninas escolhidas eram enviadas aos lugares chamados de oky-ias ("casas das gueixas"). Lá, elas recebiam um novo nome, que seria utilizado durante o exercício de sua profissão e fora dele. Transformavam-se em maikos ("aprendizes"). A okasan (proprietária do oky-ia) tornava-se a "mãe" da gueixa, e as outras gueixas eram consideradas suas irmãs. Uma gueixa mais experiente era considerada como a "irmã mais velha", e podia "apadrinhar" uma aprendiz, auxiliando-a durante sua educação e a conquista de seus clientes. Durante cinco anos, diariamente, as garotas aprendem a tocar instrumentos tradicionais, realizar tarefas domésticas, danças, artes, pintura e costura, além de outras tarefas e habilidades. Elas devem alcançar um nível de perfeição, e descansam apenas dois dias por mês. A disciplina era rígida, e o oky-ia funcionava como um verdadeiro colégio interno. Deveriam aprender também a fazer chá delicioso e servi-lo de modo delicado, andar graciosamente usando pequenos tamancos e se portar de modo refinado. Os pés das pequenas aprendizes eram, desde cedo, apertados e comprimidos para limitar seu crescimento. Era obrigação para uma boa gueixa ter os pés minúsculos. Pés grandes eram sinônimo de desarmonia e falta de delicadeza.
Profissão e atividades
O sexo, de fato, era algo íntimo entre a gueixa e seus clientes mais próximos. Ela não era, inclusive, obrigada a se deitar com um homem apenas por receber seu pagamento. Nesse ponto, elas tinham certa liberdade em escolher com que homens manteriam relações sexuais. A principal atividade das gueixas era oferecer acompanhamento, diversão e distração para homens que, em geral, eram muito ricos e em suas reuniões apreciavam a presença destas mulheres refinadas, para descontrair o ambiente e os presentes. Muito raramente as conversas envolviam assuntos sexuais explícitos. Tudo deveria ser implícito, velado, misterioso e subliminar. Gueixas muitas vezes tornavam-se amantes de homens importantes, tendo filhos com eles. Recebiam bens e heranças como se fossem uma espécie de "esposas", o que fazia com que um dos objetivos de vida destas mulheres fosse conseguir a gravidez através de um homem de renome. Mas elas não se casavam, ou muito raramente se casavam oficialmente. A maioria delas eram órfãs ou filhas "vendidas" ou entregues por famílias com poucas condições financeiras. A vida como uma gueixa não era vista como um tipo de existência de exploração: elas eram bem vistas pela sociedade, tinham certo respeito e conviviam com pessoas das classes altas, conseguiam se alimentar, morar e se vestir bem e adquirir um certo renome, o que "compensava" a dura doutrinação e rigidez vivida na infância. Elas realizavam também apresentações artísticas em espaços específicos para isso. Um detalhe diferenciava as gueixas das prostitutas comuns: elas amarravam seus quimonos dando o laço nas costas, enquanto as prostitutas comuns faziam o laço na frente de seu corpo. Inclusive, chamar uma gueixa de prostituta era considerado por elas como uma ofensa grave.
Vestimentas
Elas utilizavam muitas joias e ornamentos, mas a principal peça do vestuário era o quimono, um vestido delicado todo feito em seda e com estampas geralmente florais, ou de animais típicos do Japão. Um quimono podia ser vendido a mais de U$10.000 dólares. Quando a gueixa se formava, tornava-se uma geiko. Recebia, então, alguns quimonos. Todos os custos, desde a sua educação até as roupas que recebia, deveriam ser pagos pela gueixa enquanto ela trabalhava. Entretanto, a profissão era lucrativa: elas chegavam a cobrar U$6.000 por uma sessão que, em média, durava duas horas, e era marcada através de um incenso queimado em um recipiente especial, que levava praticamente este tempo para ser consumido. Amarravam o quimono usando o obi, um cinturão. Recebiam joias, adereços e enfeites de seus clientes mais abastados, não como pagamento, mas como presentes à parte. O uso destas joias e adereços era símbolo do sucesso profissional e social das gueixas, e um indício de que elas frequentavam os círculos sociais mais abastados. Assim, elas conquistavam mais respeito e status social e pessoal.
Cultura milenar
Ainda existem gueixas no Japão. Entretanto, sua vida não é a mesma de suas antepassadas. A rigidez dos colégios para os quais elas são enviadas (não mais aos 6 anos, mas sim aos 15) permanece, mas elas não exercitam atividades como aquelas exercidas anteriormente. São apenas um modo de manter viva a estética e a cultura das gueixas. A última gueixa "original" chamava-se Niharu Nakamura, falecida em 2004, considerada como a última profissional que viveu no período anterior à forçada ocidentalização do Japão após a Segunda Guerra Mundial. Em 1900, havia cerca de 25.000 gueixas no Japão. Atualmente, existem pouco mais de mil delas.
Significado e legado
As gueixas não devem ser confundidas com simples prostitutas. As atividades que elas exerciam iam muito além do sexo e, na verdade, o número de clientes com os quais se relacionavam de modo íntimo era muito pequeno e seleto. A gueixa era uma mulher refinada, com uma extensa leitura, uma ótima alfabetização, capacidade de falar sobre política, negócios e filosofia, recitar poemas inteiros, interpretar peças teatrais e realizar coreografias e danças, fazer e servir chá, contar piadas e entreter convidados. A guiexa era uma "esposa" para muitos homens solteiros, dando atenção a seus clientes que ia muito além de qualquer conotação sexual. Inúmeros homens pagavam quantias exorbitantes apenas por sua companhia e seus talentos, sem haver qualquer relação sexual física entre ambos. Se não podemos considerar a vida das gueixas como vergonhosa, ela também estava longe de ser fácil. Muitas delas não conheciam ou não possuíam pai e mãe, praticamente não tinham infância e já cresciam endividadas. As donas das casas eram extremamente rígidas e, durante os primeiros anos de suas profissões, lucravam com seus esforços. A gueixa era praticamente uma escrava antes de sua emancipação. Estas mulheres viviam muitas dores e privações, e, mesmo assim, tornavam-se obras de arte refinadas e capazes de conter em seus pequenos pés a imensidão de milênios de cultura japonesa.
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